O nascimento de uma borboleta

Em que momento da evolução humana terá a autoconsciência começado a florescer? Imaginam quão estranho terá sido esse processo de acordar para a realidade de que se é? De tentar fazer algum sentido da nossa presença efémera num mundo caótico, incompreensível e determinado a matar-nos?

Em certa medida, todos os seres humanos experimentam a confusão desse despertar fruto milhares de séculos de evolução genética, nos primeiros anos da sua existência. Apesar de não nascermos no nível zero de autoconsciência (que corresponde ao nem entender que o espelho reflete uma imagem, mas entender a imagem como uma extensão da realidade), em apenas 5 anos, avançamos do nível 1 (consciência do seu corpo) para um nível 5 (consciência de si conceptualmente, e emergência da consciência social). Durante a adolescência, começamos a ter consciência das nossa emoções e aos vinte e poucos, a complexa rede de autoestradas neurais está formada.

A partir do momento em que a nossa default mode network está operacional, somos adultos com um raciocínio lógico-dedutivo previsível na sua capacidade de prever o mundo. Se esta rede de infraestruturas cerebrais for bem planificada, seremos indivíduos equilibrados, que interpretam o mundo e tomam decisões em prol do seu interesse pessoal e biológico. Mas, e se não? Se estivermos dependentes de uma rede disfuncional? Estaremos condenados a uma vida de aprisionamento às neuroses causadas pelos múltiplos traumas do primeiro terço da nossa existência?

Felizmente, ao contrário de outras espécies, mantemos um certo nível de plasticidade neurológica o que significa que, se formos suficientemente autoconscientes, determinados, persistentes e corajosos, podemos, efectivamente, reprogramar-nos. 

Este processo de reprogramação consciente dá-nos uma oportunidade única de avançar mais um nível na espiral do autoconhecimento. Uma espécie de meta-autoconsciência, na qual somos capazes de ter uma percepção de nós próprios a nível quase celular. 

Claro que, para se reconfigurar o sistema operativo, é imperativo deixar a versão anterior morrer. Mas, ainda que esta esteja danificada, a versão obsoleta é tudo o que conhecemos, e por isso, abandoná-la é sempre um processo assustador – é, no fundo, como deixar uma versão de nós próprios morrer.

Se as lagartas fossem seres humanos, não haveria borboletas

Gabor Maté

Este processo de auto-reprogramação é longo, e muito subtil. Os sistemas hipercomplexos que formam o ser humano precisam de se renovar, célula a célula, até ser alcançada uma nova versão de si mesmo. Mas como saber no que é preciso mexer, e como?

Neste estranho ano de 2020, a inércia do movimento constante a que estávamos sujeitos fez com que o choque na imobilidade imposta gerasse uma tremenda energia interna. Um evento desta natureza foi, para muitos de nós, catalista de uma mudança já latente. 

À medida que a quantidade tempo passado connosco próprios aumenta, aumenta também a possibilidade de uma intimidade com a nossa consciência. E ao aprofundar o conhecimento sobre como os diversos sistemas que nos formam reverberam uns nos outros, podemos encontrar a nossa frequência autêntica.

Últimos artigos