Além-homem

Afinal, trabalhamos demasiado e despendemos energia desnecessária em tarefas como deslocações… 

Afinal, ganhamos mal e não fazemos nada para que assim não seja…

Afinal, é bom dizer não…

Afinal, vidas negras importam…

Afinal, o colonialismo não é motivo de orgulho mas de vergonha…

Afinal, as touradas são um espetáculo degradante e medieval…

Afinal, a homossexualidade não deve ser objecto de discriminação e os direitos desta comunidade devem ser garantidos…

Afinal, os ditos animais de companhia também têm direitos…

Afinal, o planeta está mesmo a aquecer, a população a aumentar exponencialmente e a gestão dos recursos naturais a tornar-se insustentável… Não chega. Está muito, muito longe mesmo de chegar. Mas é um começo.

Se considerarmos que a exploração desenfreada de recursos levará, a determinada altura, à escassez dos mesmos, chegamos à não muito difícil conclusão que a forma como vivemos até ao fim de 2019 não será mais possível. Todos nós sabemos e, acima de tudo, sentimos isso.

Mesmo que passemos a usar energias mais limpas e renováveis, a reciclar, a deslocar-nos menos e mais eficientemente, a comprar local e mais sustentável, a reduzir drasticamente ou eliminar o uso de plástico, a limpar as praias, as florestas e os oceanos, a garantir áreas verdes que não visem a exploração económica, a trabalhar em melhores solos, não chega. Somos muitos, a consumir muito e muito depressa. Serão sempre precisos mais e mais e mais recursos.

A desregulação do equilíbrio ambiental de que beneficiaram muitas gerações antes de nós será evidente para todos, mais tarde ou mais cedo. Não é uma questão da natureza contra-atacar porque a natureza não se rege por estados emocionais; essa é uma característica de alguns animais, senão mesmo, de todos os seres. Com exceção de todas as espécies que vamos exterminando com a nossa existência, para a natureza nós, humanos, somos insignificantes. A dança química de solução e dissolução continuará, independentemente de existirmos, ou não. O planeta continuará a existir e completará o seu ciclo independentemente da nossa presença.

Há quem acredite que a tecnologia resolverá, como até agora o fez. E, eu acredito nisso? Acredito antes que as soluções teriam de passar por uma mudança na forma como compreendemos a nossa posição no mundo, na procura da realização em feitos talvez menos espetaculares aos olhos de outros, mas que estão e sempre estiveram ao nosso alcance.

A mundivisão platónica terá agora oportunidade de se actualizar, reposicionando-nos em relação ao dogma através de mais dúvidas, mais procura por conhecimento, da não-aceitação de que as coisas são mesmo assim e não há nada a fazer. Para que se produza tão grande mudança, temos que alterar aquilo a que damos valor. Educar, dizer não, dizer basta, não concordo, não quero, não sinto que tenha que ser desta forma é um pequeno passo num caminho longo e sinuoso, mas é um passo importante.

Estamos aqui para fazer melhor que a geração anterior, pois será essa a essência da evolução biológica. Estamos dispostos a fazê-lo? Queremos cuidar mais e explorar menos? Queremos explorar mais sustentavelmente e menos gratuitamente?

Nietzsche pediu ao Homem para deixar de ser Homem. Eu peço o mesmo. Porque isto não é ser Homem, é ser um vírus.

R.Existe

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