Sinto muito, não entendo

Pois, naturalmente. Quando sentimos, especialmente muito, estamos a operar ao nível do cérebro límbico, ao qual chegam muito poucas informações sobre o que passa no nosso córtex pré-frontal, a área do cérebro que processa o pensamento racional. Claro que pensamos enquanto sentimos, só que estes pensamentos não são tão racionais como estamos convencidos. São antes imagens e cenários imaginados sob o efeito inebriante de um misterioso cocktail de hormonas que foi injectado endemicamente nas nossas veias.

Ah! Isso coloca uma questão interessante: mas afinal, quem é o barman? Será elu uma bestinha sádica? Porque é que ninguém compilou as opções num cardápio, descrevendo minuciosamente os ingredientes de cada cocktail: duplo shot de adrenalina com uma pitada de serotonina, ”shaken, not stirred’?

Então vamos lá ver… antes de começarmos aqui a amaldiçoar os nossos processos internos, que nos condenam a uma vida à mercê do nível de estimulação de certos epicentros nervosos e glândulas a eles associadas, comecemos por tentar entender de onde vêm as emoções e para que é que elas servem.

Recentemente, ouvi um episódio do Huberman Lab Podcast (que recomendo vivamente a quem se interesse por entender um pouco melhor os mecanismos do nosso sistema nervoso) sobre emoções e relações, no qual o Dr. Huberman explica, de forma científica e extraordinariamente simples, o processo biológico das emoções.

Quando nascemos, somos completamente dependentes. Nós sentimos coisas sobre as quais não temos nenhum controlo ou entendimento… não sabemos o que é fome ou se a nossa irritação vem de determinado som; sentimos apenas que alguma coisa está em falta (ou a mais, no caso de ser um cocó pastoso e fedorento que nos assa o rabiosque). E fazemos soar o alarme abrindo a goela.

A forma como a nossa mãe (ou a pessoa que toma conta de nós) reage ao nosso choro vai determinar como a emoção que sentimos fica catalogada no nosso sistema nervoso: é uma emoção boa ou má; extremamente forte ou leve e tolerável; resolve-se comendo ou sendo embalados num abraço, etc.

Portanto, as emoções formam-se através de e servem para interagirmos com o mundo exterior. É pela força das emoções que a nossa vida ganha movimento: precisamos daquilo, vamos para ali; não queremos isto, saímos daqui.

As emoções sentem-se muito antes de termos ligações nervosas consistentes que permitam um raciocínio lógico-dedutivo e, quando estas últimas se formam, já temos respostas somáticas automatizadas. Ou seja, já funcionamos de acordo com um padrão que muitas vezes chamamos de “forma de ser”.

As hormonas são as roldanas e engrenagens do nosso relógio biológico. Por exemplo, quando a leptina disponível sobe acima de certo nível geneticamente determinado, entramos na puberdade, ou seja, quando o nosso corpo infantil consegue acumular gordura suficiente para garantir a energia necessária para a transição, as nossas gónadas iniciam o processo de maturação, começando a segregar quantidades cada vez maiores das hormonas ‘sexuais’ como testosterona, estrogénio ou prolactina. 

Esta importante passagem para o eu-reprodutível implica uma maturação final do cérebro e restante sistema nervoso – afinal, e se pensarmos em termos evolutivos, a capacidade de assegurar que uma próxima geração tem hipótese de sobreviver é directamente proporcional, pelo menos até certo ponto, com o aumento da capacidade de raciocínio lógico-dedutivo dos seus progenitores. 

Na infância, o nosso cérebro e restante sistema nervoso (espinha, nervos e grupos neurónios que vivem fora do cérebro, em sítios como os intestinos ou o coração) estão interessados em estabelecer o maior número de ligações nervosas possível, ainda que possam não fazer muito sentido. Depois, na adolescência, torna-se essencial tomar decisões sobre quais dessas ligações melhor tem servido a nossa sobrevivência e que devem, portanto, ser reforçadas em detrimento das outras.

Assim, é no meio de todas as questões filosóficas e assoberbantes da adolescência (ou talvez estas sejam uma consequência do tal processo de maturação nervosa) que o nosso sistema nervoso central vai fazer o dicionário final. Aquele que usaremos para o resto da vida e que codifica as correspondências entre os estados de espírito e os cocktails hormonais em circulação, e vice-versa. E fá-lo sempre para que consigamos estabelecer relações pessoais com os seres humanos que nos rodeiam.

Aos 25 anos, as nossas autoestradas neuronais estão terminadas e as portagens instaladas estão de mão estendida, à espera de faturar. Só que nunca ninguém nos ensinou a conduzir e, muitas das vezes, acabamos por sentir que estamos numa pista de carrinhos de choque, a ser sacudidos violentamente por outros veículos em movimentos imprevisíveis que nos atiram contra os rails de protecção – ou, caso estes não existam nos sítios certos, podemos mesmo acabar num off-road sem tracção às 4 rodas. 

Com sorte, e alguma forma de terapia, podemos começar a entender a diferença entre o acelerador e o travão, e como o volante pode ser usado para nos desviarmos dos obstáculos. Para isso, temos que entender as emoções que, segundo estudos citados pelo Dr. Huberman, se podem classificar de acordo com 3 eixos: nível de excitação corporal que a emoção provoca (numa escala que vai de muito elevado a muito baixo), sensação associada à emoção (numa escala de maravilhosa a terrível) e de onde vem essa emoção (interocepção ou exterocepção, isto é, se a emoção advém de uma paisagem interna que observamos ou da interação com o mundo exterior).

Aprender a olhar para as emoções de forma mais estruturada ajuda-nos a entender o que sentimos, e talvez, porque sentimos o que sentimos. Embora a partir dos 25 anos a plasticidade neural diminua drasticamente, sendo necessário muito mais compromisso e esforço para construir desvios às autoestradas mal-criadas durante o nosso processo de maturação, é possível mudar a nossa biologia, e consequentemente a nossa perspectiva acerca dos mundos interno e externo, alinhando-os de forma a servir melhor quem somos hoje.

Este conhecimento deu-me um insight sobre a vida: quando se forma uma vida, ê nove ser é incumbido de uma missão que não pode rejeitar… É-lhe dade uma molécula de energia universal única, que nos anima e a que geralmente chamamos alma (anima, em latim), e a qual temos que preservar e fazer crescer, autêntica a si própria e ao corpo que a protege. Só que nada sabemos acerca dessa energia ou do funcionamento deste corpo, ou tampouco dessa nossa missão de vida. É tipo um blind-date connosco própries.  

Começar a conhecer os cocktails hormonais que nos inebriam, e etiquetá-los tal e qual “Alice no País das Maravilhas” (este para quando precisas de motivação, este para quando precisas de colo, este para crescer ou ficar mais pequenine) é essencial para que comecemos a ser quem sentimos que deveríamos ser, de forma saudável e sustentável. 

– É um Ocitocina Sunrise com extra Dopamina para a mesa 2, por favor. 

* A Clara escreve de acordo com a ortografia pré-acordo e utilizando o sistema ELU para linguagem inclusiva.

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