A certa altura da minha vida, depois de perceber que todos os seres são dotados de inteligência, passei a admirar, em particular, a inteligência das plantas.
Tendo filogeneticamente evoluído de algas aquáticas, começaram a sua história de domínio terrestre deste planeta há cerca de 500 milhões de anos, segundo registros fósseis. Atualmente, representam mais de 80% da biomassa atual da Terra.
O reino Plantae teve três grandes atualizações filogenéticas que aqui relevo. Em primeiro lugar, houve a evolução de tapetes de algas terrestres para plantas vasculares, com a formação de tecidos especializados que permitem o transporte de solutos (água e minerais) às suas células cada vez mais diferenciadas, apresentando já sistemas complexos de raíz, caule e folhas; em segundo lugar, deu-se a evolução da reprodução sexual por meio de esporos, pedaços de caules ou brotamento, nas quais novo ser possui o mesmo material genético da progenitora, para plantas com semente (gimnospermas), cujo material genético resulta da combinação de dois seres – a semente é um gigantesco avanço na capacidade adaptativa, não só pela diversidade genética que resulta deste processo, mas também porque a semente possui reservas nutritivas ao serviço do novo ser, que aumentam as suas probabilidades de sobrevivência; finalmente, em terceiro lugar, saliento a evolução de plantas com semente a nú para plantas com flor e geralmente fruto (angiospermas). A primeira iniciou-se há cerca de 400 milhões de anos atrás; a segunda, data de por volta de 350 milhões de anos atrás; e a terceira tem cerca de 140 milhões de anos.
Stefano Mancuso, biólogo botânico e professor universitário italiano, um dos precursores do estudo sistemático da cognição em plantas, refere que desde a autonomia energética às estratégias de adaptação, as plantas têm sabido resolver problemas que para nós começam a ser aflitivos. Como não possuem mobilidade, refere, não podem fugir dos problemas. Adaptam-se, cooperam e adotam estratégias para os resolver.
Definindo inteligência como a capacidade de adaptação do organismo ao meio, as plantas parecem possuir todas as características que tanto admiramos nos seres que consideramos mais inteligentes. Não possuindo mobilidade, mas podendo mover-se, percepcionam e buscam ativamente ar e luz. Começa-se a observar de forma sistematizada que as plantas possuem capacidade de aprendizagem e de cooperação, promovendo consequentes respostas adaptativas. Alguns trabalhos, como o de Peter Wohlleben, guarda florestal alemão e autor ainda algo contestado, tentam demonstrar que as plantas cuidam dos mais novos e dos mais velhos por meio do transporte de açúcares através de interações simbióticas entre raízes e fungos – estes últimos tiram o seu dízimo do processo e prestam o serviço de processar o solo, fornecendo nutrientes minerais para as primeiras.
As plantas precisam de um período de descanso semelhante ao que acontece com os animais e algumas espécies, como a Mimosa Pudica, fecham espetacularmente as suas folhas quando algo lhes toca. Algumas plantas demonstram capacidade de preensão, usando por exemplo a gavinha, um órgão presente em trepadeiras e outros clados que lhes permite tatear e fixarem-se em objetos que se apresentem úteis ao seu desenvolvimento físico. Outras, desenvolveram a capacidade de seduzir animais com as suas fragrâncias e néctares, para que estes as ajudem a reproduzir-se ou as protejam de pragas.
As plantas comunicam também entre elas através desses odores suaves e equilibrados; produzem taninos para que o seu sabor seja repulsivo aos predadores, gerindo o seu nível de toxicidade consoante o perigo percebido; podem ainda resistir perdendo até cerca de 90% da sua estrutura corporal, não tendo vantagem em apresentar órgãos insubstituíveis à superfície, uma vez que não possuem mobilidade.
Através de uma analogia, Charles Darwin, o proeminente biólogo britânico, na sua obra de 1880 “O Poder do Movimento das Plantas”, pediu aos leitores para fazerem o exercício de imaginar as plantas como animais de cabeça para baixo, com os órgãos dos sentidos e o “cérebro” em baixo e os órgãos sexuais ao alto. Embora alguns estudos precursores da cognição em plantas procurem um centro “nervoso” na raiz, a sua capacidade sensorial parece adquirir a importância que a atividade cerebral terá para os animais e a noção de relação órgão/função neste reino será mais complexa e corporificada.
Com o aparecimento da civilização e das sociedades industriais, a nossa relação com os seres não humanos passou a ser assimétrica, no sentido de os considerar seres sem intencionalidade, sem psique. Para que possamos aceder à complexidade da inteligência de espécies diferentes, a nossa relação com os outros seres vivos não pode ser instrumental. Tem que ser de paridade, simétrica, de semelhança. Esta forma de inteligir aplicar-se-á também aos elementos não viventes.
Se pensarmos no que já destruímos no curto tempo de existência da nossa espécie, é fácil reconhecer a magistral inteligência das plantas. Elas produzem, elas constroem sem destruir, elas cuidam, elas limpam, elas alimentam, elas ajudam a regular a temperatura, elas são o perfume da vida terrestre, elas emanam beleza. Usam sem tomar. Produzem soluções que são benéficas para os vários intervenientes. Entregam a outros a participação nos seus processos desenvolvimentais, incondicionalmente, sem desconfiança. São mestres na dinâmica do meio ambiente. Dominam os seus elementos na perfeição. Parecem ter a noção perfeita de que a vida funciona em simbiose e não cada um por si. Não precisam de rapidez de execução, precisam de executar harmoniosamente dentro deste princípio.
É também esta relação entre velocidade de viver e consciência do processo que admiro neste grupo de seres. Também nós, quando desaceleramos, evoluímos para uma consciência mais rica, passamos a estar melhor preparados para interagir, a comportarmo-nos de uma forma mais harmoniosa, que seja mais benéfica para os elementos com os quais nos relacionamos.
Todos nós já sentimos a calma e a paz que nos trazem com sua presença. Por vezes, tenho a sensação de que o conceito de iluminação do budismo tibetano se materializa nas plantas. Parece que elas estão completamente libertas, desapegadas, conscientes do que significa tudo isto e do existir em tudo isto.
Às vezes imagino que Siddharta Gautama estaria, não a meditar, mas a desenvolver uma interação profunda com a figueira sagrada de Bodhi, acedendo à sua inteligência e atingindo assim a iluminação…
R.Existe.