A maioria de nós simplesmente quer as mesmas coisas. A maioria de nós simplesmente acredita nas mesmas coisas.
Ainda que reconheça a utilidade civilizacional de tamanha concordância, esta ideia sempre me aborreceu, como uma imposição chata à qual não podemos escapar sem que uma imperfeição estigmatizante nos seja, ainda que subtilmente, imputada.
A natureza parece expressar-se humanamente na necessidade de fugir à crueldade da condição vivente, almejando o controle total do que externamente se impõe.
Quisemos tanto controlar as condições externas que tivemos que renunciar, em grande medida, ao que interiormente se impõe. Tivemos que fechar essa porta. E, ao fechá-la, passámos a ser conduzidos, não por nós, mas pelo que exteriormente se foi instituindo.
Saímos à descoberta de todos os caminhos possíveis e imaginários, auto-elegemo-nos homo sapiens sapiens e, a dada altura, andámos tanto que esquecemos o caminho para casa e ficámos perdidos, num ciclo ressonante, até nos esquecermos irremediavelmente que já lá vivemos.
Fomos domesticados, amansados e tornámo-nos dóceis ao ponto de entregar o nosso destino a pessoas de caráter duvidoso, sob a égide de histórias da carochinha, tal o estado de infantilidade que nunca superámos.
As ficções, a fabulação de que se nutre o espírito humano e o amor excessivo, patológico, que não vai e vem, resultam numa idolatria gratuita que leva à servidão e ao culto prestado a certas ideias, pessoas, instituições ou entidades. Tal é a forma como estamos perdidos, desorientados, vazios.
Este enredo em que vivemos é-nos, hoje, servido como um carpaccio finamente fatiado. Vivemos numa realidade processada, onde os nossos sentidos, o nosso corpo e aquilo a que chamamos de consciência são também processados. Funcionam parcialmente, não desenvolvendo o seu potencial.
Desta forma, consigo entender a razão de muitos acreditarem na mesmas coisas. Pois sim, porque somos habilmente conduzidos a formar desejo por elas, obliterando o mais íntimo que há em nós.
O grupo, a vizinhança social, a nação, a coligação de países e a inteligência artificial fazem cada vez mais escolhas ao invés dos próprios indivíduos, daí que a inteligência e a expressão individual sejam cada vez menos premiadas pela selecção genética.
Por consequência, parecem ser cada vez mais os que não param de adicionar tijolos ao muro que nos separa da nossa substância e cada vez menos os que tentam desconstruí-lo, empenhando-se em abrir uma passagem para um caminho que verdadeiramente nos orgulhe.
É hoje mais fácil perceber a dinâmica desta (por mim percebida) realidade com o advento das redes sociais digitais. Senão, vejamos.
Há umas poucas semanas, Étienne Klein, um físico francês com um currículo insuspeito, publicou no Twitter uma imagem de uma fatia de chouriço e descreveu-a como sendo da estrela Próxima Centauri, a estrela mais próxima do Sol, em alegada imagem do telescópio espacial James Webb.
A sua ideia era alertar as pessoas, num acto pedagógico, para a questão das notícias falsas e para o facto de aceitarmos facilmente informação pouco fundamentada, ao que, passado um par de dias, depois de toda a idolatria digital publicada pelos utilizadores, veio, na mesma rede afirmar que era apenas uma fatia de chouriço e não uma estrela fotografada pelo inaudito telescópio.
Esta notícia chamou-me a atenção pelo facto de expor muito bem o processo de aceitação fácil do que nos é diariamente apresentado, até porque, a maioria de nós, eu incluído, tomaríamos por verdade tal publicação.
De facto, ela expõe também o processo de legitimação fácil do que nós é paradigmaticamente apresentado e lê-la levou-me a formular a seguinte questão:
Quantas coisas tomamos por estrelas na nossa vida que não passam simplesmente de fatias de chouriço?