Voltei para Portugal em 2017, depois de ter morado durante dez anos em Macau e, desde então, sinto sempre que vivo entre estes dois lados do mundo.
Mas, agora que muitos chegam de Macau — pelas mudanças político-sociais da terra, e pela gestão da pandemia de COVID-19 que fechou a cidade numa bolha durante três anos — dou por mim a recordar-me desses primeiros anos de regresso a Portugal e do turbilhão que foram.
Quando cá cheguei, não tive oportunidade de me sentir uma “estrangeira”, já que fui forçada a adaptar-me com muita rapidez. Trazia comigo uma criança de dois anos, que nunca cá tinha vivido, aceitei um trabalho que pouco tinha a ver com as funções que tinha desempenhado em anos anteriores e acabei por, rapidamente, começar a conviver com as pessoas de cá.
Passei a ir todos os dias ao escritório e, quanto mais lá ia, mais desenquadrada me sentia. Os meus colegas, sempre extremamente simpáticos e acolhedores, falavam sobre as coisas do dia a dia e sobre o trabalho em Portugal, mas eu vinha com outras referências: pessoais, familiares e profissionais.
Tinha acabado de chegar do outro lado do mundo, passado por um dos piores tufões de sempre de Macau (o Hato) e trazia comigo uma criança pequena para um novo início aqui. A minha própria vida era um tufão.
Fiz um esforço para interagir e participar dessas conversas, mas fui percebendo que todas as minhas intervenções começavam com “lá em Macau” e, aos poucos, fui tentando eliminar essa introdução. Na realidade, esse “lá em Macau” mais não era do que reflexo da minha necessidade em estabelecer um termo de comparação, na esperança de me sentir mais familiarizada com tudo. Aos poucos, percebi que esse “lá em Macau” me impedia de viver o dia a dia aqui, por completo — até porque lá era lá, e cá é cá.
Entretanto, passou-se uma pandemia, que veio precipitar algumas das mudanças que já se anteviam para Macau, mas que se julgava acontecerem mais tarde, e fui assistindo às notícias do outro lado do mundo, com alguma tristeza e um progressivo maior distanciamento. Como se, de repente, aquele fosse o fim esperado da minha história de amor.
Na realidade, as saudades permanecem, ainda que sejam apenas umas saudades do tempo lá vivido e de rever a terra e as suas gentes.
A vida é boa aqui, mesmo com o senão financeiro, e não há nada no horizonte que me faça repensar a decisão que tomei há cinco anos: a de que esse ciclo tinha terminado e novas aventuras surgiam. E, de facto, têm sido muitas as aventuras por cá nestes últimos cinco anos.
Macau e Portugal são duas casas, que se vão cruzando, enquanto escrevo a minha história. E, se hoje me sinto bem aqui, tal como me senti bem em Macau, daqui a uns anos posso ter vontade de experimentar outro destino e de adicionar mais uma casa à minha lista.
Mas uma coisa é certa: enquanto escrevo este texto, penso no tempo que falta para voltar àquela outra casa, mesmo que seja apenas de férias. E percebo que, desde que emigrei para Macau em 2006, nunca mais me livrei dos regressos constantes.