— Estão 50ºC em Nova Deli.
A frase foi dita numa conversa de café, sob a guarida atenta das árvores que nos protegiam. Estávamos em amena cavaqueira numa esplanada no parque da cidade, e, após o comentário, começámos com afinco a discutir o aquecimento global. Os 50ºC em Nova Deli preocupavam-nos, mesmo a mais de sete mil quilómetros de distância.
Segundo as medições meteorológicas, a temperatura acabou por não chegar à meia centena, mas Nova Deli caminha para esse extremo, prevê-se. Vai passar a ser o novo normal, a sobreviver-se em vez de viver-se, as altas temperaturas são mais próprias para o lazer da sauna do que a vida numa cidade. A conversa transmutou para a falta generalizada de arvoredo e cinturas verdes nas cidades, e a pergunta que ficou no ar foi: como mantermos uma cidade com vida a temperaturas toleráveis nos picos de calor veranil?
A chamada ilha de calor urbana, provocada pelas edificações e alterações morfológicas no tecido da natureza pelo ser humano, é um fenómeno das áreas urbanizadas onde as temperaturas são mais elevadas do que nas zonas circundantes ou arborizadas da cidade. Em São Paulo chega a haver uma variação de 10ºC entre o seu centro denso em edifícios e alcatrão em relação às áreas arborizadas ou periféricas. Após décadas de fúria e expansão do betão e do automóvel no mundo inteiro, chegámos a um ponto em que é necessária uma mudança paradigmática. Estima-se que morreram pelo menos 90 pessoas nesta vaga de calor que atingiu a Índia e o Paquistão, afectando cerca de dez por cento da população mundial.
Em Lisboa, apesar de ainda não chegarmos a temperaturas tão elevadas no verão, existem já zonas que chegam a ser 5ºC mais quentes do que as áreas com arvoredo, como Monsanto ou a Mata de Alvalade no final das tardes de verão. Com o aquecimento global, Portugal está em risco de, nas próximas décadas, ter áreas semidesérticas, a aparecerem primeiro no Baixo Alentejo. Deduz-se que, no caso das cidades portuguesas que continuam a ter uma mudança lenta da morfologia do betão para cidades mais sustentáveis, o fenómeno das ilhas de calor urbano vai piorar.
Uma das soluções é, em teoria, simples: é preciso haver mais áreas arborizadas nas cidades. Basta um passeio pelas cidades portuguesas, para se ver a falta de um ar mais verde pelas ruas. Se aumentarmos os parques, as cinturas verdes, plantarmos mais árvores ou instalarmos terraços verdes estaremos a contribuir para a manutenção de uma temperatura mais amena e também todas as conhecidas vantagens que uma cidade verde e ecológica proporciona aos seus cidadãos.
Outra das possíveis melhorias térmicas vem do uso de melhores materiais. O alcatrão tradicional, especialmente o de tom cinza-escuro que absorve o excessivo calor solar, ao qual também se junta um baixo teor de reflexão do material, é um dos elementos citadinos que tem de ser usado com mais moderação. Se fizermos uma mudança para o chamado “cool pavement”, sendo uma superfície que usa aditivos para reflectir a radiação solar, teremos uma menor absorção de calor. Os pavimentos já existentes podem, por exemplo, ser cobertos com o novo material para controle de temperatura.
A civilização humana tem de se preparar para o novo desafio climático que se avizinha. Se olharmos para a rua em que moramos e não vislumbrarmos tons verdes suficientes, é sinal de que há tarefas a fazer. Plantar é o único futuro possível.